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Sonhos

 As dificuldades do nordeste cearense não impedem os jovens de sonhar em mudar suas realidades 

De filho de agricultores ao pós-doutorado em Química. Conheça o caminho de transformação de jovens do interior através da educação.

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Mandacaru quando fulora na seca não é só um sinal de chuva no Sertão. A flor cheia de espinhos, característica da caatinga, é um símbolo de esperança no Nordeste. É um sinal que demonstra que aquele que sonha produz frutos e realizações. Essa planta representa a bravura dos sertanejos, que aguentam com destreza o sol e o calor fustigante da caatinga. O mandacaru cresce conforme o espaço que tem, assim como ele, o homem e a mulher do sertão querem sonhar e crescer e tentar enxergar esperança em um futuro. Afinal, sonhar é sempre bom..

 

Sem dúvidas, a educação sempre será um dos caminhos para a realização de tantos sonhos. Criado por uma família humilde, vinda de Pentecoste, no interior cearense, Manoel Andrade Neto teve acesso à educação porque seus avós foram para Salvador, fugindo da seca e com o apoio deles, o garoto teve uma oportunidade que seus pais nunca tiveram: a de estudar. Quem é de Pentecoste já ouviu falar desse nome. Através dos feitos realizados por este nordestino, mais de 500 jovens já entraram na faculdade. O homem, hoje professor de química na Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que todas essas conquistas realizadas são nada mais do que um reflexo do amor por uma terrinha chamada Cipó, que de tão pequena, o lugar nem distrito chega a ser.

 

Tudo começou neste lugar chamado Cipó, no ano de 1994, quando o professor Manoel Andrade reuniu seis homens e uma mulher para estudar debaixo do pé de juazeiro, ambos eram agricultores. Daí surgiu o Projeto Educacional Coração de Estudante (Prece), conhecido hoje como Programa de Educação em Células Cooperativas. Depois de algum tempo estudando juntos, todos os sete jovens conseguiram ingressar na faculdade. 

 

A iniciativa então começou a crescer, muitos jovens vinham de outras comunidades para estudar juntos. Afinal, as oportunidades que a educação podia trazer instigavam e despertavam neles a vontade de conhecer. “Muitos nem sabiam o que era universidade naquela época, mas acreditaram por causa da minha história, porque eu era de lá e, aos olhos deles, tinha vencido na vida que conseguiriam também”, explica Andrade.

 

O juazeiro se tornou pequeno para os que estavam decididos a mudar também de vida através da educação. Foi quando encontraram uma casa de farinha abandonada, onde eles começaram a se juntar para estudar. Com o tempo, muitos passaram a morar ali. Eram jovens adultos que, depois de mais velhos, se dedicavam a cursar o supletivo para concluir o ensino fundamental e o médio. O esforço começou a gerar frutos. A cada ano, dezenas de pessoas começavam a passar nos vestibulares. Porém, o que mais chamava atenção era que a maioria sempre retornava para o interior aos finais de semana para ajudar aqueles que não haviam ainda conseguido. Pequenos grupos de estudos com a mesma metodologia começaram a surgir em outras cidades. 

Em 2011 é inaugurada em Pentecoste, a Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, tendo como metodologia de ensino a mesma abordada pelo Prece desde 1994. A escola é a primeira unidade de Educação Básica do país a ter uma Universidade como co-gestora. A Universidade Federal do Ceará é responsável pelo suporte técnico das atividades desenvolvidas na escola, viabilizando a implantação da metodologia da aprendizagem cooperativa. Com isso, mais jovens do interior passaram a ter suas vidas transformadas através da educação.

“Sonhar pra mim, foi uma das coisas que me deu forças pra continuar. Sonhar com uma realidade diferente da que eu vivia, com menos problemas e menos dificuldades. Sonhar que eu poderia mudar minha realidade e a da minha família”. O pensamento da Marcirlanni Pontes retrata bem a importância de sonhar com um futuro melhor. A pentecostense é um dos frutos colhidos depois de décadas do projeto desenvolvido por Manoel Andrade. Hoje com 23 anos, a jovem é Bacharel em humanidades, recém graduada em história, pós-graduanda em neuroaprendizagem e estudante de pedagogia.

Filha de mãe agricultora e separada, ela muitas vezes duvidou de que conseguiria entrar em uma universidade, já que vinha de uma família humilde. “Morava perto dos meus avós que também eram agricultores, o dinheiro sempre foi pouco e todos onde eu morava diziam que você só conseguia fazer faculdade se o pai ou a mãe tivesse condições de arcar com as despesas da faculdade e moradia em outra cidade, eu não via ninguém de realidade semelhante a minha entrar na universidade e por conta disso duvidei muitas vezes”, diz.

“Hoje eu ainda estou na caminhada para o meu sonho de ser professora universitária e ajudar muitos como eu um dia fui. Já conquistei tantas coisas com a ajuda de pessoas incríveis. Ainda não consegui mudar a realidade da minha família, mas isso é só questão de tempo, sei que mais cedo ou mais tarde vou conseguir”, finaliza Marcirlanni.

Mais prosa

Segundo o censo do IBGE de 2010, apenas 16% da população total de jovens — entre 15 e 24 anos — do país, se encontra nas zonas rurais. Se levarmos em conta que já se passaram 12 anos desde esse censo, esse número será ainda menor. Um dos principais motivos é justamente a ausência de ensino de qualidade nas cidades do interior, além da falta de oportunidades de trabalho, levando muitas famílias a buscarem alternativas para a capacitação de seus filhos em outros lugares.

Milhares de jovens pelo país, fazem parte de um novo perfil que, aos poucos, começa a mudar a cara das universidades públicas brasileiras. Nas últimas décadas, fenômenos relacionados a mudanças no contexto social, político e educacional contribuíram para que estudantes de baixa renda e do interior ocupassem um novo lugar nos estudos e obtivessem uma perspectiva diferente no futuro. É evidente que o Nordeste tem conseguido avançar nos últimos anos e vem vencendo os estigmas que muitos o colocam de que os "nordestinos são matutos, analfabetos e burros".

Fortaleza é um dos lugares escolhidos pela maioria dos jovens do interior do Ceará que decidem fazer o ensino superior fora da sua cidade natal. Eles escolhem a capital cearense por ela ocupar um lugar de destaque no cenário nacional quando o assunto é educação. De acordo com dados da segunda etapa do Censo Escolar 2021, organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Fortaleza obteve o 2º lugar entre as capitais com maior taxa de aprovação, além de ocupar o 3° lugar entre as capitais com maiores notas no Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB) 2021.

“Infelizmente eu percebia que na minha cidade a educação nunca foi tão valorizada, então desde pequena eu tinha essa consciência de que se eu quisesse realizar meus sonhos e mudar a vida da minha família através da educação eu teria que sair de lá. Assim, quando terminei o ensino médio fui para Fortaleza. Não foi fácil. Afinal, a realidade era muito diferente, mas tive muitas oportunidades que não teria se permanecesse onde estava. Hoje eu sou formada, trabalho e consigo ajudar minha família. Sou muito grata por tudo o que conquistei até aqui”, diz Joana*, de 24 anos.

Eu sou de uma terra que o povo padece

Mas não esmorece e procura vencer.

Da terra querida, que a linda cabocla

De riso na boca zomba no sofrer

Não nego meu sangue, não nego meu nome

Olho para a fome, pergunto o que há?

Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,

Sou cabra da Peste, sou do Ceará.

Patativa do Assaré

(*) O nome da jovem foi omitido a pedido dela.

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